Vendendo o peixe
Já leu Dom Casmurro alguma vez? Se sim, faça o teste: releia e perceba quantos detalhes novos você vai descobrir. Agora, se você nunca leu... OK, não precisa se sentir subestimado, o testezinho funciona com qualquer outro bom livro, com quadros, sites bacanas e – por que não? – com lugares interessantes. O que conta mesmo é encarar a coisa já conhecida como uma novidade e aproveitar. E o Mercado Municipal é um lugar e tanto pra fazer essa experiência, porque diante de milhares de produtos espalhados pelos 316 boxes, é impossível não encontrar algo novo a cada visita.

E como o Sampacentro já falou de charutos, cafés, sanduíches e temperos, agora é a vez de uma mercadoria que fica num cantinho, animadíssimo por sinal, do Mercadão: o peixe. Você pode criticar e dizer que peixaria é o que não falta em São Paulo e que peixe se vende até na quitanda da esquina. Mas acontece que não é um peixe qualquer, é a piranha. Aliás, nem uma piranha qualquer é. Ela vem do Amazonas e basta um rápido olhar para confirmar o que diz o vendedor, “essa é muito mais feroz”.
Rui César Rolim trabalha na Peixaria Rolim (do tio dele) há quase um ano e explica que esse tipo de piranha é um pouco mais raro que o comum, vinda do Mato Grosso. E também um pouco maior. Ele escolhe uma grandinha e põe na balança... mais de meio quilo de carne, dentes afiadíssimos (ui!) e espinho, muito espinho.
Para os poucos versados em culinária de frutos do mar – a maioria, lógico – vale a pena anotar bem a informação acima. Rui explica melhor o porquê: “Como a piranha tem muito espinho não fica bom fazer frito, o melhor é cozinhar, peneirar e depois bater no liquidificador”. Segundo ele, esse é o segredo para fazer um caldo de piranha delicioso, imbatível.
Mas só agora que Rui começou a entender de receitas de peixes, já que antes de trabalhar na Rolim, ele vendia frango, depois, frutas e até motorista ele foi. Mas o mais interessante disso tudo é que todos esses empregos eram no próprio Mercado Municipal. São 18 anos acordando de madrugada, pegando ônibus para o Centro para chegar ao Mercadão às 4 da manhã.
E para acostumar com essa rotina cansativa e também com o cheiro de peixe da área, Rui conta uma outra receita. “Aqui o clima é de brincadeira total, a tiração de sarro rola o dia todo.” O ambiente descontraído é só mais um ingrediente para Rui manter sempre o bom humor. “Outro dia mesmo, um cliente caiu aqui em frente e eu não agüentei, rachei o bico!”, conta, tentando explicar que não consegue se segurar. (05/03/2001)