Berço do som

Tudo o que ele faz tem o ritmo da percussão. Descendente de italianos, de pele e olhos claros, tem o samba no coração e na lida do dia-a-dia. Miguel Fasanelli começou em 1951, trabalhando como vendedor da Casa Manon da Rua 24 de Maio (Centro). Em meados da década de 50, abriu uma loja de consertos de instrumentos musicais no número 46 da Rua General Osório. Daí para iniciar a venda de artigos do ramo foi um passo. Quando viu, já era dono de uma fábrica –-a Contemporânea.
“Os instrumentos de samba foram sendo adaptados e modificados com o tempo”, conta. “Porque, em sua origem, esse era um gênero tocado com instrumentos de fanfarra de colégio. Os sambistas tinham de andar com pedaços de jornal nos bolsos, pra quando o couro dos surdos e tamborins esfriasse. Daí era preciso parar o desfile e esquentá-los com fogo.”
Amante dos carnavais de rua, seu Miguel conta que os desfiles eram muito diferentes dos que vemos hoje em dia. “O pessoal andava pela Rua São João, passando pela Rua Direita, pelo Viaduto do Chá e Vale do Anhangabaú tocando seus instrumentos. Não existiam quadras nem escolas de samba”, diz. Nessa época, nem as fantasias tinham sido inventadas: “As pessoas saíam usando camisetas, e os homens se vestiam de mulher”. Tudo isso era feito, de preferência, em cima dos bondes. “Era completamente diferente.”
Paralelamente ao crescimento da linha de instrumentos da Contemporânea, as escolas de samba paulistanas iam tomando forma. E o palco de tantas mudanças culturais foi a Rua General Osório. “É só juntar duas pessoas que sai música”, brinca seu Miguel. E era exatamente o que acontecia: chegava um com o violão, outro com o tamborim, mais tarde alguém trazia o cavaco e os grupos estavam formados.
Então, nomes famosos como Jacob do Bandolim, Jamelão e Almir Guineto, por exemplo, tomavam conta das mesas e cadeiras dispostas em frente à loja “para tocar chorinho, pagode de mesa e samba de raiz nas horas vagas” --o que deu origem a um ritual que acontece há 25 anos, todos os sábados, das dez da manhã às três da tarde, atraindo cerca de 250 pessoas por dia. Com um pouco de sorte, é possível topar com figuras como Alcione, Zeca Pagodinho e Martinho da Vila.
Atualmente, a fábrica exporta instrumentos para o mundo todo, “principalmente Japão e Alemanha”, diz seu Miguel. “Acabamos funcionando como uma ponte entre nossa cultura e os outros países.” Por causa desse intercâmbio, existem hoje escolas de samba fundadas na Dinamarca, na Rússia e na Alemanha, segundo o proprietário da loja –-que há cerca de oito anos tem o seu primeiro andar reservado às aulas de corda e percussão. “O Danilo do Bandolim, músico de 14 anos que é revelação do chorinho atual, já teve aulas aqui”, conta seu Miguel.
O proprietário da Contemporânea está sempre ocupado conversando com presidentes de escolas de samba e músicos do gênero e diz adorar a vida que leva. Se a loja já era famosa, ficou mais ainda quando a Rua General Osório foi fechada e transformou-se na “Rua do Choro”, evento administrado pela Secretaria de Estado da Cultura e com apoio do Sebrae. Por causa do incentivo à cultura, o “pai das escolas de samba”, como é chamado por sambistas, acredita que a fama da cracolândia está sendo amenizada. “Além de mais segurança e policiamento, deve haver uma mudança de imagem.” (23/02/2001)
Serviço:
Contemporânea
Horário: Sábados, das 10h às 15h
Rua General Osório, 46, tel: 221-8625