Muro das lamentações

Situada no número 147 da rua Nestor Pestana, próxima à Igreja da Consolação, a ACM (Associação Cristã de Moços) do Centro é uma das 12 academias da Associação espalhadas pela capital. São dez horas da noite e o movimento nas esteiras e bicicletas ergométricas é intenso. "Este é o turno da adrenalina", conta o recepcionista Ivanildo Mendes de Oliveira, referindo-se ao período em que trabalha no clube, das 14h às 22h.
Ali, detrás do balcão da recepção, Ivanildo vira uma espécie de conselheiro sentimental dos sócios. "Aqui é o muro das lamentações", diverte-se. "As pessoas passam e reclamam que água está quente, que está fria... Tem também briga de marido e mulher, mas aí é complicado. Parece novela, você tem de escrever um capítulo por dia", diz.
"Hoje o capítulo foi bem calmo. Mas, outro dia, chegou um vigarista aqui, um cara boa pinta, bom de papo. Dizia que seu carro estava estacionado ali em frente ao clube e que precisava entregar uma cesta de Natal, mas tinha ficado sem combustível. O cara chorou, tirou os óculos e pediu um dinheiro para abastecer o carro. Esse é o conto da gasolina, é velho e conhecido, por isso não pegou ninguém aqui."
A ACM tem por norma ser um clube aberto a todas as pessoas e evitar discriminação. Segundo Ivanildo, a única exigência daqui é que os associados vistam-se de maneira apropriada para freqüentar as atividades. "Por exemplo, um travesti deve usar o uniforme daqui, uma camiseta branca e calção. Mas não pode freqüentar a piscina."
Pela manhã, a partir das 6h, quando abre suas portas, a ACM é mais freqüentada pelos aposentados. Já os profissionais liberais aparecem à tarde. À noite (o clube funciona até às 22h) o perfil dos associados é misto, "tem de tudo". "Agora, passou da meia-noite não é mais Nestor Pestana, é boca do lixo", conta o porteiro, referindo-se à prostituição e às drogas que circulam na região por causa da presença de casas noturnas. "Mas até esse horário é tudo tranqüilo, as pessoas vêm aos teatros e restaurantes daqui."
Ivanildo gosta do Centro, acha que a segurança da região da rua Ipiranga melhorou depois que a Companhia do Batalhão se instalou na Praça Roosevelt. O porteiro tem saudades do tempo em que era solteiro e marcava encontros com os amigos no Vale do Anhangabaú. "Era tempo de ditadura. Naquela época, a gente tinha que andar com a carteira de trabalho na mão. Qualquer aglomeração era motivo para os policiais darem uma geralzinha".
O porteiro, que está na ACM há cinco anos, mora na região da Raposo Tavares, no subdistrito Butantã, trecho onde passa o Rodoanel. Seu trabalho anterior ficava um pouco mais distante de sua casa - era porteiro na USP, na escola de Geografia, Filosofia e Letras.
Natural de Arco Verde, interior de Pernambuco, "terra dos coronéis", aos 13 anos tornou-se militante do PC do B e até hoje é um tanto politizado. "Lá em Pernambuco eu morava numa Cohab e o voto de cabresto rolava solto. Eu ficava insatisfeito com tudo aquilo, aquele coronelismo. Aí, resolvi vir para São Paulo, tinha um irmão aqui e dezessete anos nas costas".
No ano passado, votou na Erundina para a Prefeitura de São Paulo no 1º turno. Já no segundo, o voto foi para a prefeita eleita Marta Suplicy (PT). "São Paulo é uma cidade muito boa para quem corre atrás. Aqui se encontra facilidade para tudo, só não vence quem não quer.”
Além de falar de política e conversar com os amigos que tem na ACM ("conheço um monte de gente pelo nome"), Ivanildo gosta de fazer caminhadas perto de sua casa, no Parque da Previdência. "Ando só quinze minutos, não quero me matar fazendo ginástica. Aqui na ACM tem gente viciada em ginástica, isso faz mal para o corpo, né?". (09/02/2001)
Serviço:
ACM (Associação Cristã de Moços)
Rua Nestor Pestana, 147, tel: 3138.3000
www.acmsp.com.br