O dia em que conheci John Travolta
Meu primeiro filme foi no Cine Ipiranga, o primeiro clássico no Bijou, a primeira retrospectiva no Coral (na Rua Sete de Abril, onde hoje funciona uma loja de roupas), a primeira pornochanchada no Marrocos, o primeiro Hitchcock no Metro e o primeiro Buñuel no Arouche.

Anos depois, a Mostra Internacional de Cinema expandiu-se para o Metrópole. Marabá, Ouro, Ritz, Windsor, Olido, República, Barão, Paissandu, Arcades, Dom José: para cada um deles, haveria também ao menos um momento especial a recordar, coisa de quem aprendeu a gostar de cinema antes do boom de lazer na região da Avenida Paulista, dos shoppings e dos multiplexes. Nesse tempo, nem tão distante assim, nosso caminho de Santiago serpenteava diante dos cinemas do Centro.
De todos, meu preferido era o Copan. Foi ali, por exemplo, que conheci John Travolta. Tinha 12 anos em 1978 e falsifiquei grosseiramente a carteirinha escolar para ver "Os Embalos de Sábado à Noite" (censura 16 anos). Só quem foi adolescente naquela época tem idéia do que significava não ter visto o filme de John Badham. Vivia-se a febre disco, Travolta era o seu Messias e os Bee Gees, em surpreendente e bem-sucedida virada na carreira, haviam se tornado os Reis Magos. Todo mundo (ou todo mundo que eu conhecia, na rua ou na escola) queria ver “Os Embalos de Sábado à Noite”. Eu e meu velho amigo Marcelo Penteado Lacusta (alguém sabe dele? Favor enviar informações para o e-mail abaixo) nos armamos de coragem e, depois de uma tosca falsificação de documentos, rumamos num sábado à tarde para o Cine Copan, onde o Messias fazia suas aparições.
Os corredores do edifício soltavam gente pelo ladrão, de modo que a primeira parte da odisséia consistiu em chegar à bilheteria e comprar o ingresso. Depois, na fila, mais umas duas horas de tensão até o momento em que, de cabeça em pé e ar distraído para disfarçar o medo, entreguei o ingresso e a carteirinha (a alteração no ano de nascimento era bisonha!) ao sujeito da roleta. Como era mais alto do que os garotos da minha idade, e provavelmente porque a fila era enorme, passei; Marcelo, mais baixo, foi “pego” e precisou negociar a entrada. Dez minutos depois, já com parte das luzes apagadas, conseguimos entrar na sala.
A imagem continua viva na memória, mas a sensação é indescritível: foi também a primeira vez em que eu entrava num ambiente em que todas as pessoas eram mais velhas (e, quando você tem 12, garotas de 18 são dolorosamente inacessíveis). Havia gente ocupando as escadas (cadê você, Contru?) e o espaço entre a primeira fileira e a tela. Frisson total até que John Travolta desceu do vagão, com aquele andar duvidoso, e “Stayin’ Alive” passou a ensurdecer os devotos.
Nunca mais tive coragem de rever “Os Embalos de Sábado à Noite”. Sei o que vou achar dele hoje e prefiro evitar o golpe. Voltei inúmeras vezes ao Copan, inclusive para ver “Memórias”, um dos melhores e menos conhecidos filmes de Woody Allen, sobre o qual --e na época eu nem de longe desconfiava-- faria mais tarde minha dissertação de mestrado.
Despedi-me do Copan em “Dança com Lobos”. Tenho medo, para dizer a verdade, de passar outra vez pelos corredores do edifício. Mas sei que deveria: de repente, cruzo com o Travolta barrigudo, com uma lata de cerveja na mão, rodopiando enquanto Barry, Robin e Maurice Gibb cantam “You Should Be Dancing”. (09/02/2001)
Sérgio Rizzo, 35, é jornalista e escreve sobre cinema para a “Folha de S. Paulo” e para as revistas “Set” e “Educação”. É também colaborador de outras publicações e professor no curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero, onde conheceu as moças que editam este web site cinco estrelas. E-mail: srizzojr@uol.com.br