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Para reviver um pouquinho do Centro visto pelos seus personagens.

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Pedras que falam

Domingo, 21 de janeiro de 2001, véspera do aniversário de São Paulo. Conhecer melhor a cidade é um bom programa pra comemorar! Kico D'oliveira, artista plástico formado pela Belas Artes-SP é o guia do passeio, que começa às 10h, no Mosteiro São Bento, com cerca de 15 pessoas. Antes de entrarmos, ele pede: "prestem bem atenção aos detalhes". Assistimos ao começo da missa. Ele chama a nossa atenção para um ícone que existe no pilar à direita de quem entra. É uma imagem pequena de Nossa Senhora com a roupa toda enfeitada com minúsculas pérolas.

Saímos da igreja e Kico explica: "é um ícone russo. Quando houve a cisão da igreja cristã entre romana e ortodoxa, estes aboliram as imagens. Mas na transição, eles ainda faziam imagens mais simples. Como não podiam enfeitar muito, os artistas passaram a fazer essas aplicações com pedrarias". E continua: "Esse edifício do Mosteiro foi fundado em julho de 1598. Antes, havia um outro edifício, construído quando a cidade não era rica. Quando começou a crescer, este - como outros monumentos - foi demolido, como se São Paulo quisesse esquecer o passado discreto e provar que a partir de então era uma cidade pomposa. E esse processo de 'apagar a pobreza' continuou depois." Seguimos para o Viaduto Santa Ifigênia, que foi feito no estilo art-nouveau. "No auge da Revolução Industrial, artesãos de várias partes da Europa tiveram a idéia de fazer estruturas menos pesadas, por isso passaram a construí-las imitando movimentos e formas da natureza. Quem projetou o viaduto foi Eiffel, o mesmo da torre de Paris. Ali do outro lado, vemos o Viaduto do Chá, onde passaremos mais tarde. Ele é baseado no estilo art-déco, que buscava simplicidade nas formas e linhas mais limpas." Avistamos o prédio dos Correios, atualmente em reformas. "É um edifício neo-clássico, muito utilizado na França do século XIX. Quando a missão francesa veio para o Brasil, D. João VI mandou construir diversos edifícios em estilo neo-clássico, para agradar aos visitantes. As janelas em arco são românicas, aquelas estruturas triangulares no topo são inspiradas nos templos da Antiga Grécia." Mais à frente, vemos a Igreja de Santa Ifigênia. "A planta baixa da igreja tem a forma de uma cruz grega, aquela em que as duas linhas se cortam exatamente no centro (a cruz romana é a que tem uma das extremidades maior). E aqui tb já foi a Catedral da São Paulo, quando a 1a original foi demolida." Seguindo pela rua, o artista vê a Casa Italiana. "A melhor coisa era ir ao cinema e sair para comer sanduíche e comprar pão italiano aqui." O tal cinema hoje é um imóvel abandonado. Descemos pela São João, onde há várias contruções comerciais embaixo de casas antigas. "Esse tipo de sobrado nasceu em Florença, na Itália, na época renascentista. Era muito comum o comerciante ter um estabelecimento embaixo de sua moradia", esclarece. E completa que não eram só comerciantes simples. Banqueiros, por exemplo, tinham verdadeiros palacetes em cima dos bancos. Veríamos esse tipo de palacete mais adiante. É por isso que é tão comum hoje em dia passarmos por uma rua do Centro e vermos lojas de roupas, sapatos ou móveis, por exemplo, no térreo. Se olharmos para o andar de cima - o que às vezes nos esquecemos de fazer ou deixamos passar batido - podemos ver construções antigas de grande valor histórico e cultural. Por enquanto, descemos em direção ao Vale do Anhangabaú. Apresenta-se um estabelecimento grande, com as janelas arredondadas em cima e pintadas de verde, contrastando com os muros beges. "Ali ficava o Clube de Portugal, um dos mais chiques, freqüentado pela alta sociedade paulistana." Passamos pelo Banespa, Martinelli, seguimos pela rua São Bento enquanto Kico ia chamando nossa atenção para as épocas das construções, as influências de quem as projetou, o que guardam e o que os detalhes querem dizer, apontando todos os "nouveau", "décor", rococós, barrocos, românicos, gregos, góticos, renascentistas, modernos e pós-modernos, "ins" e "outs" das modas de outros tempos em arquitetura. Uma delícia despir São Paulo assim, descobrir seus segredos e que todas aquelas casas que a gente costuma classificar como "antigas", generalizando mesmo, são de épocas diferentes e que essas épocas estão descritas em seus tijolos. Pausa no Páteo do Colégio para um descanso e um cafezinho. Afinal, já são quase três horas e meia de andanças. Mas é claro que não poderia faltar uma história: "Aqui havia o colégio, depois virou uma repartição pública e voltou a ser colégio." Ficamos sabendo que, no século XIX, os prédios eram projetados de acordo com o seu uso: os centros administrativos eram neo-clássicos (como os Correios), as igrejas eram neo-românicos (arcos nas ogivas de portas e janelas) ou neo-góticos (agulhas nos "telhados", como na Catedral da Sé) e as casas de espetáculo eram construídas em estilo Barroco (contavam com uma praça com jardim em volta, como o Teatro Municipal e a Praça Ramos). Nosso passeio acaba em frente à Catedral da Sé. "A rosácea (aquela "janela" redonda em cima do pórtico de entrada) era feita - entre outros motivos - para que o sol entrasse e batesse no altar no momento da consagração (quando simbolicamente o pão e o vinho se transformam no corpo e no sangue de Cristo). Não reproduzimos aqui o passeio na íntegra. É tanta informação que não cabe em um texto para um site. Nos despedimos das pessoas que fizeram parte do grupo e dos monumentos qua agora observamos sob um novo ponto de vista. Você pode fazer a sua própria versão. O telefone do Kico é (11) 5572.8837. Boa viagem!! (25/01/2001)

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