Na intimidade da madrugada

A cidade de São Paulo ganha um presente em seu aniversário de 447 anos. Uma exposição fotográfica. São profissionais como Eder Chiodetto, Matuiti Mayezo, Mônica Zarattini, Fabiano Accorsi e Max Pinto, entre outros, que retrataram os cartões-postais da cidade e, principalmente do Centro.
Eder Chiodetto - O Centro é o ponto para onde tudo converge. A cidade gravita em torno do seu Centro e, por isso, ele se torna um extrato hiperconcentrado dela. No Centro a cidade se mostra de forma mais exagerada, mais carregada nos seus cheiros, formas e sons. O Centro, por assim dizer, é a síntese da cidade. Por tudo isso fotografar o Centro de qualquer cidade é estar diante da possibilidade de captar sua personalidade, suas características mais íntimas. O fotógrafo que elege o Centro como tema deve se ater a isso e tentar traduzir a cidade da melhor forma possível movido pelos seus instintos, mas também se deixando ser levado pela cenografia da urbe.
Sampacentro - O que você já viu de mais bacana em termos de fotografias com o Centro como tema?
Eder - Esta São Paulo que a minha geração vive ainda carece de uma boa leitura fotográfica. Existem alguns fotógrafos que fizeram alguns ensaios interessantes como Cristiano Mascaro e Cássio Vasconcelos, mas não existe "o" fotógrafo da cidade que tenha conseguido sistematizar em imagens a Paulicéia Desvairada. Creio que a música, com autores que vão de Adoniran a Itamar Assumpção, passando por Arrigo, entre outros, conseguiu retratar a cidade e o Centro com maior acuidade que a fotografia.
Eder - Um dos meus maiores prazeres é andar pelo Centro velho de madrugada. O trajeto começa na Praça da República (só a parte mais iluminada próxima ao Caetano de Campos), segue pela Rua 24 de maio, vai até o Viaduto do Chá, Praça Patriarca, Rua São Bento, Igreja São Bento e o Viaduto Santa Ifigênia, onde paro e fico observando por um tempo sem tempo o Vale do Anhangabaú. O bom de caminhar a essa hora é que você consegue ver a arquitetura que se esconde de dia por causa do tumulto e até do temor de quem caminha com a sensação de que a qualquer momento pode acontecer um assalto e outras neuras inerentes a uma metrópole desordenada como essa. Durante o dia, no Centro, só existe origem e destino, subtraimos o trajeto, a passagem e a paisagem. De madrugada, com a ausência do burburinho e sem compromisso com o chegar e sair, é o percurso que importa. Nossos olhos podem, enfim, descobrir a cidade.
Sampacentro - Já aconteceu alguma situação inusitada no Centro?
Eder - O que me lembro de mais inusitado e mais belo foi a intervenção do projeto Arte-Cidade no Anhangabaú, com as instalações de Rubens Mano, chamada "Detector de Ausências" e prisma de Guto Lacaz. Quando foi? 1996?
Sampacentro - O que você acha do projeto de revitalização? O que falta para ele virar realidade?
Eder - Esse projeto é fundamental para a sobrevivência da cidade. Se o Centro apodrece, leva toda a sua periferia para o buraco junto. Para virar realidade, é preciso que a sociedade se envolva com o projeto. Não se pode esperar que algum governante sozinho vá conseguir levar a cabo isso. É preciso iluminar, pintar, abrir mais teatros, vida cultural, livrarias 24 horas, cafés, mais segurança, menos sujeira. Isso só se consegue mexendo na auto-estima dos cidadãos. A degradação do Centro hoje espelha a falta de auto-estima das pessoas e a falta de amor pelo seu habitat... Creio que é um problema mais de ordem psicológica-traumática que econômica.
Sampacentro - Tem algum lugar do Centro que você gostaria de retratar, mas ainda não fez?
Eder - Sim, recentemente mudei da Santa Cecília para a Pompéia. Todo dia agora passo pelo Minhocão para trabalhar. Se você olhar atentamente, cada pilar que sustenta o elevado tem uma história para contar. São grafites, pessoas, cachorros, restos de casas, gente namorando, dormindo, pedindo etc.... Quero fotografar isso.
Eder - Mais glamour, menos estresse e força na peruca...
Sampacentro - Um cartão-postal do Centro?
Eder - O Vale do Anhangabaú, visto de madrugada, após duas doses de uísque, a partir do Viaduto Santa Ifigênia.
Serviço:
Exposição: "São Paulo 2001 - A Cidade Como Cenário"
Galeria do Centro de Comunicações e Artes do Senac
R. Scipião, 67, Lapa, tel. 0/xx/11/3872-6722
De segunda a sexta, das 9h às 22h; sábado, das 9h às 17h. Até 23 de fevereiro
Entrada franca