Truco e amigo secreto
Pela enorme janela do 108 B mal coberta pela cortina colorida, um céu absurdamente azul. Era domingo, último dia de Copan. Um mês havia se passado desde o dia em que os instalamos no apartamento e estávamos todas vivas, sãs e salvas. Explico-me: antes de irmos para debaixo do mesmo teto, eu não acreditava que fôssemos capazes de viver trinta dias sem um quebra pau. Afinal, eram seis personalidades fortes espremidas em 26 m2.

Era meio-dia e eu sentia uma leve dor de cabeça, efeito festa da noite anterior. Resolvi dar uma volta na feira de artesanatos na Av. Ipiranga, em frente ao prédio (que até 1997 era realizada na Praça da República). A Rê logo acordou e me acompanhou. Trocamos algumas palavras com o Gige e o Sr. Edgar, dois expositores que havíamos conhecido semana antes, quando os entrevistamos para este trabalho.
Mesmo com a ressaca e o sol fritando a cabeça, o cérebro conseguiu maquinar a idéia de comprar um presente (barato, muito barato) pra cada menina, uma lembrança daqueles dias de Copan. Procuramos, fuçamos, mas todas as coisas legais ficava com um preço bastante amargo quando multiplicadas por seis. “Então, vamos fazer um amigo secreto!”
Voltamos para o apartamento e apresentamos a idéia para as outras meninas, que estavam umas se arrumando, outras brigando com o travesseiro. Todas toparam na hora, mas antes era preciso matar quem estava nos matando: a fome.
O programa tinha que ser bem “Sampacentro” e nada melhor do que o tradicional restaurante italiano O Gato Que Ri, no largo do Arouche. Dividi um ravióli ao molho branco com a Eriquinha e devorei uma bela torta de chocolate de sobremesa. Satisfeitas, fizemos o sorteio do amigo secreto. Combinamos que o presente tinha que sair da Praça da República. Fomos até lá e marcamos de nos encontrar dali a meia hora.
Foi difícil pensar em um presente para a Lígia em trinta minutos, não pela falta de opção, pelo enorme leque de possibilidades que a feirinha apresenta. E porque ela é uma pessoa muito eclética e, ao mesmo tempo, alternativa, ou seja, que gostaria de muitas coisas de lá. Pulseira, colar, brinco, bolsa, blusa... Velas. Encontrei umas velas diferentes e comprei a que vinha dentro de uma casca de coco, branca, em forma de coco ralado. Dava até vontade de morder, de tanto que parecia.
De volta ao apê, sentamos nos colchões que haviam servido de sofá/cama em nossa sala/quarto. A Rê começou. Ela tirou a Mari, que tirou a Eriquinha, que tirou a Lú, que tirou a Rê, fechado o ciclo. É claro que eu e a Lay (Lígia) trocamos presentes.
De repente, todas ficaram quietas. Naquele momento, na nossa casa sempre barulhenta e risonha só se ouvia os sons de fora e o CD da Zélia Duncan bem baixinho. Por coincidência, estava tocando a versão da música da Rita Lee, Lá vou eu (“Num apartamento/ perdido na cidade/ a gente está tentando acreditar/ que as coisas vão melhorar/ ultimamente. / A gente não consegue /ficar indiferente /debaixo desse céu...”).
O 108 B não foi só nosso QG durante aquele mês de pesquisas. Foi um espaço de vivência e aprendizado intensos no qual pudemos compreender ainda mais a força da nossa amizade. Antes que as lágrimas começassem a rolar e bancássemos atrizes de novela mexicana, resolvemos fechar a temporada Copan com chave de ouro: uma bela partida de truco, com direito a zap na testa!!!
- Jordana Viotto da Cruz