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Para reviver um pouquinho do Centro visto pelos seus personagens.

06/12/2025 25.35 ºC, São Paulo

Um achado no meio da poeira dos livros

O achado é Amélia Rodrigues da Silva, que atende na área de jornais e revistas. Vale à pena puxar um papinho, você pode ouvir os bastidores de sua época como enfermeira no Teatro Municipal no começo dos anos 90. “Fiquei quatro anos lá. Como não tinha nem maca para uma emergência, eu sempre dava uma escapadinha para ver os espetáculo. Vi tantos que até enjoei”, conta.

“Até a Cláudia Raia já foi gravar programa no último andar do prédio, quando ela estava com um musical na Globo. Um dia, ela pagou almoço para todos os funcionários. Eu não estava porque eu entrava só à noite, mas dizem que foi servido um almoço à americana. Com garçom e tudo. Mas teve gente que passou fome, porque, como ela é vegetariana, só tinha arroz e legumes para comer. Eu ia ter sido uma dessas pessoas. Não passo sem uma carninha.” “Eu só vi a Cláudia Raia indo embora. Aproveitei e falei: ‘Boa noite, Cláudia’. A minha colega me falou que eu era uma velhinha muito assanhada. E sou mesmo”, conta, rindo. “Mas não teve jeito de me segurarem lá. Teve uma noite em que ia haver um grande espetáculo para gente da alta sociedade, que vinha escoltada com suas dúzias de segurança e carrões. No final da apresentação, uma senhora estava no chão, morta. Foram me chamar. Quando eu cheguei, havia três médicos - que tinham vindo para o show - ao lado dela, tentando reanimá-la. Eu não tinha nem uma injeção de adrenalina para tentar ajudar. Um dos doutores era a sobrinha do Paulo Maluf. Só pude dizer: ‘Que lugar mais lindo para morrer. Se eu pudesse escolher, queria morrer aqui’. Não aguentei, depois disso, pedi minhas contas e vim para a biblioteca.” “Aqui também tem artista, sabe!? Foi gravado um comercial do McDonald’s: tiraram tudo, nem parecia que era aqui dentro. Fora os famosos que vêm para os shows gratuitos, que vão desde os clássicos, com orquestras, até os novos da MPB.” Ela aponta para a sacada. “Ali, a Sandy ficou por mais de meia hora para gravar o programa. Depois se sentou no primeiro degrau. A mãe dela sentou no terceiro, enquanto elas conversavam. Aproveitei que ela estava em um intervalo e fui lá pedir um autógrafo. Ela fez uma letrinha redonda e escreveu: ‘Para Amélia, com todo carinho’. Em volta, fez um coração. Eu dei para a minha netinha, Juliana, que é vidrada nela. Até hoje ela guarda o papel.” Uma pausa: “Eu poderia ter pego um autógrafo da mãe dela, né?! Afinal, ela também é artista. Eu preciso comprar um livrinho de autógrafos...”. Quando ela começou a trabalhar na biblioteca, ficava no setor de raridades. “Tinha um monte de livros trancados a chave, por serem tão valiosos. Eu ficava com um máscara no rosto, uma touquinha, luvas, limpando página por página com um pincel, assim”, conta, imitando seu trabalho com as mãos. Aí, quando eu terminava, tirava tudo e começava a ler o livro. Por prazer. Foi num deles que eu li a história de um rei que construiu seu castelo do lado de um convento de freiras para poder frequentá-lo à noite. O povo começou a falar das crianças que nasciam, então ele construiu um túnel. Os filhos continuaram a nascer, mas ninguém mais comentava, porque eram as freiras que atravessavam a escuridão para ficar com sua majestade.” Muito mais pode-se ouvir em meia hora de papo com Dona Amélia. Ou, como eu, passar duas horas no papo. E ela tem sempre uma piadinha: “Eu não posso sorrir na foto, porque meu dente quebrou e eu ainda não tive tempo de consertar”.

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