Um divã no meio do viaduto
Há cinco anos, Maria José dos Santos Ferreira passa o dia "mostrando o caminho para as pessoas". E, para isso, ela monta sua banquinha no Viaduto do Chá com um baralho cigano, búzios e uma escultura de bruxa "que traz sorte."

Maria gosta mesmo é de ser chamada de Cigana. "Esse é um dom que vem de família, aprendi tudo com os meus avós e com a minha mãe", diz. Ela afirma que sua consulta às vezes vale mais do que ir ao médico. "Aqui você paga R$ 10 (sim, tudo isso!), mas sai com as idéias arrumadas na cabeça, sabendo o que fazer e isso resolve todos os problemas", exagera.
Com pulseiras, brincos longos, roupas de cores chamativas, maquiagem carregada e sorriso na face, Cigana diz gostar do Centro e de São Paulo, mas sente muitas saudades da "sua" Bahia. "Vim de Feira de Santana, adorava morar lá, mas tem muita gente que trabalha assim (lendo a sorte), daí fica complicado conseguir dinheiro..." Hoje, ela mora no bairro da Liberdade, com o marido e o casal de filhos. "Se eles vão ser ciganos? Não sei, eles gostam de ficar vendo o que eu faço, mas não é isso que eu quero pra eles... É por isso que eles estão na escola. Os dois são ótimos alunos, sabia?"
Mesmo não sabendo que o Viaduto do Chá foi o primeiro a ser construído na cidade, em 1892, Cigana fica feliz quando mostra saber o porquê do nome. "Bem antigamente aqui era uma roça onde tinha plantação de chá", explica orgulhosa. Ela diz ainda que não sabe o motivo pelo qual o Viaduto reúne tantas pessoas fazendo previsões, jogando búzios, tarôs e lendo mãos. E mais ninguém ali parece saber.
Quando fica sabendo que o Viaduto do Chá já passou por diversas reformas, sendo que a primeiro foi em 1938, Maria não se espanta. "Ah, eles tão sempre reformando isso aqui, agora mesmo, olha, não tá vendo as placas?! E o pior é que parece que nunca acaba", reclama. O Viaduto do Chá está mesmo passando por reformas, que devem ser concluídas em dezembro.
Antes de começar a dar uma "consulta", Maria pergunta pra pessoa se ela quer saber tudo, mas tudo mesmo, fazendo referência a um possível futuro desagradável. "Tem gente que já chega falando pra cortar morte, doença, essas coisas. Daí eu não conto, mas, quando não diz nada, eu falo tudo que as cartas mostrarem, coisa boa e coisa ruim."
A cigana diz nunca ter lido a sorte pra ela mesma, "porque não dá", afirma ela colocando um ponto final no assunto. Mas conta em segredo que sempre que precisa vai ao seu pai-de-santo. Mesmo não sabendo o que é uma psicóloga, Maria diz que seu trabalho é mesmo o de ajudar as pessoas e afirma já ter testemunhado histórias inacreditáveis.
"Desde que estou nesse Viaduto, eu e meu baralho já ouvimos muita coisa, semana passada mesmo, uma mulher chegou aqui desesperada..." Depois de hesitar um pouco, Maria conta: "Ela não sabia o que fazer, porque o marido tinha trocado ela pela filha. Ele era padrasto da menina, acredita? Mas nós (ela e as cartas) mostramos o caminho para ela e a moça (que pagou R$ 10) saiu mais calma daqui", conta, com um tom de orgulho no rosto.