Flash news

Para reviver um pouquinho do Centro visto pelos seus personagens.

06/12/2025 25.35 ºC, São Paulo

"Não somos heróis"

No dia 24 de fevereiro de 1972, Edson Faroro, então bombeiro do Batalhão da Praça Clóvis (Centro), foi designado para ir até o Banespa para trocar a lâmpada vígia (a luz vermelha que os prédios têm no topo como sinalização para aeronaves). “Como os bombeiros estão familiarizados com altura, eles são muitas vezes requisitado para esse tipo de serviço”, conta.

De lá de cima ele avistou um foco de incêndio. Avisou o batalhão pelo rádio e foi para o local. Era o Andraus - conhecido também como “prédio da Pirani” por ser ocupado em boa parte pela loja de departamentos Casas Pirani - que pegava fogo. O acidente começou supostamente com um foco nos cartazes publicitários da loja. “Por causa do vento forte houve uma propagação muito rápida”, diz, explicando que com a pressão do ar quente, os vidros se quebram e o fogo passa para o andar superior, normalmente pelas cortinas. É o que os bombeiros chamam de “propagação vertical”. Chegaram os reforços requisitados por ele, que logo entrou no prédio. Com a mangueira em forma de chuveiro, formava uma cortina d’água para resfriar as escadas e liberá-las. Enquanto isso, outros bombeiros combatiam o fogo jogando água por fora e os helicópteros resgatavam as pessoas que estavam no heliponto. “Tivemos o apoio da aeronáutica e de particulares, que ajudaram enviando helicópteros”, relata Faroro. A operação exigiu o esforço de quase todos os bombeiros da cidade e alguns de Santo André. Durante o salvamento, o bombeiro entrou e saiu do prédio diversas vezes. “Vi coisas horríveis. Uma mulher foi tentar pular para o terraço do prédio vizinho – que era mais baixo que o andar onde ela estava – imitando algumas pessoas que pularam antes dela e alcançaram o local. Mas ela bateu no parapeito do prédio e caiu. Um outro homem tentou descer pelo cabo do pára-raios, que era embutido e não chegava até o chão. Ele também caiu.” No final do dia, Faroro estava com as orelhas cheias de bolhas e as pontas dos dedos queimadas, ferimentos causados pelo calor. Dezesseis pessoas morreram, uma, vítima de problemas no coração, sete queimadas e oito que caíram ou se lançaram de cima do Edifício. “Mas ninguém morreu nos elevadores, como foi relatado na época. Eu mesmo fui verificá-los e os desliguei.” Depois do incidente, os bombeiros exigiram melhorias nos equipamentos. Alguns novos materiais foram comprados, mas não era o suficiente para atender à demanda de um incêndio como o do Andraus. Em 1o de fevereiro de 1974, ou seja, dois anos mais tarde, outro incidente aconteceria, com conseqüências muito mais graves. O Edifício Joelma, localizado próximo à Câmara Municipal, teve uma suposta sobrecarga elétrica no sistema de ar-condicionado, o que causou um curto-circuito que teria sido a causa do incêndio. O problema da propagação vertical foi ainda maior porque a fachada do edifício era toda envidraçada. “Havia muitos botijões de gás nas copas das empresas, que explodiam e lançavam blocos de paredes para baixo”, diz Faroro. Os 80 metros do prédio dificultavam o resgate das pessoas dos andares mais altos, pois a escada Magirus (escada de resgate dos bombeiros) só alcançava 44 metros. “Algumas pessoas que estavam mais próximas dos andares onde a escada chegava se jogavam na tentativa de agarrá-las. Algumas conseguiram, outras caíram. Até hoje ouço o som retumbante das pessoas se chocando contra a laje dos primeiros andares.” Muita gente lembrou-se que no caso do Andraus a salvação de vários sobreviventes veio com os helicópteros. Ao invés de descer, elas subiram para o terraço. Mas no topo, o Joelma era coberto por uma telha de amianto, o que tornava a descida dos helicópteros impossível e ainda aumentava o calor. Faroro conta que o comandante da operação Hélio Caldas passou de um prédio vizinho para a laje do Joelma por uma corda. “Ele disse que conversava com as pessoas, tentando dar o apoio necessário. Quando uma pessoa parecia sob controle – até alargava o colarinho ou acendia um cigarro - o comandante ia socorrer outra. De repente, o primeiro se jogava.” Sessenta pessoas (“eu mesmo contei”) acabaram literalmente cozidas embaixo das telhas. “O calor era tanto no interior do prédio que o latão do registro do hidrante derreteu. Cheguei a encontrar pedaços de alumínio e vidro fundidos, sendo que o ponto de fusão do alumínio é 600o e o do vidro, um pouco mais alto.” Apesar da tragédia, ele se recorda também de histórias bem sucedidas e até interessantes, como a de um homem que desceu pulando de um parapeito para o outro. Até que ele chegou a um andar onde uma mulher aguardava socorro. “Em uma demonstração de cavalheirismo, ele ficou com ela até os dois serem resgatados.” O bombeiro atribui uma parcela do que aconteceu à falta de informação da época em casos como esses. “Sempre digo que quanto mais se corre do fogo, mais ele aumenta. Se alguém tivesse combatido os primeiros focos de incêndio, talvez o fogo não tivesse causado tantos estragos e perdas. Também vi gente pegando o elevador, coisa que é extremamente perigoso.” Ele diz que hoje em dia há mais conhecimento sobre o que fazer em caso de incêndio. “Nos próprios andares, há uma plaquinha ao lado do elevador dizendo ‘Em caso de incêndio não utilize o elevador’.” Quanto às causas dos dois acidentes, ele afirma que é difícil saber quais foram com exatidão. “Em matéria de perícia de incêndios nós engatinhamos até hoje.” Nos dois episódios, a opinião pública e a imprensa declararam os bombeiros como heróis. “Herói é quem faz algo para o que não foi treinado. Se uma pessoa salva outra sem ter recebido treinamento para aquilo, essa pessoa é um herói. Bombeiros não são heróis, são homens comuns que fazem um trabalho para o qual foram treinados”, finaliza Faroro, que hoje tem 54 anos, é coronel da reserva e tem uma consultoria em segurança de incêndio.

Tags Trending TrendingTrendingTrendingTrending