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Para reviver um pouquinho do Centro visto pelos seus personagens.

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A macarronada do Pavarotti

Todas as sextas à noite e domingos de manhã quando as cortinas do Teatro Municipal se abrem, lá está Eliane de Mesquita Oliveira da Silva Prado. “Você sente a vibração quando entra no palco. Você sente quando o público está captando. Está no ar, é difícil de explicar. Quando está ruim, você começa a se desinteressar, fica um clima frio. É horrível. Você sente que não passou nada pra platéia”, conta a violinista que ocupa, há 18 anos, a cadeira ao lado do violinista principal da Orquestra Sinfônica Municipal.

Engana-se quem pensa que deve custar uma fortuna para assistir a esse tipo de apresentação. “Quando são celebridades internacionais, os preços são mesmo muito altos. Mas, para assistir às nossas apresentações, custa só R$ 8”, ela fala, fazendo a divulgação. Engana-se mais ainda quem imagina, então, que, se o ingresso é barato, a qualidade deixa a desejar. Para dar uma idéia, foi a Orquestra do Municipal que venceu a forte concorrência entre as orquestras nacionais que desejavam acompanhar “Os Três Tenores” no show do dia 22 de julho realizado no Estádio do Morumbi. “Eu já tinha tocado com o Pavarotti e com Carreras, mas os três juntos são fantásticos. São profissionais, são carismáticos”, diz, encantada. Eliane passou os três dias anteriores ao show e os três dias posteriores sem dormir. “A orquestra toda ficou extasiada. Era muita expectativa, muita emoção e muita honra. Foi um dos grandes marcos da minha vida profissional”, revela. Importante observar aqui que Eliane já tem muitos anos de carreira --mesmo ainda tendo bastante chão pela frente. Aos 6 anos, ela já sabia que queria ser violinista, então começou a aprender a tocar o instrumento com sua mãe, que também era violinista. Aos 10, passou a ter aulas com um professor italiano e traçou outra meta maior: queria trabalhar na Orquestra Sinfônica Municipal. “A música é muito envolvente. Você fica com um instrumento desde criança e ele vira extensão do seu braço”, garante. Durante 14 anos, estudou no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. Lá se formou em 1973. Então prestou o concurso público para a Orquestra. “Tinha uns 20 anos e concorri com gente bem mais velha. Hoje mudou, mas antes todos os músicos do Teatro Municipal tinham mais de 30 anos --até 70 anos, que era a idade máxima”, conta. Do grupo de 110 a 120 músicos, Eliane, que era a mais nova, era tratada com paternalismo por uns e como forte concorrente por outros. Era o vigor versus a experiência. “Eles foram se aposentando ou morrendo. Temos uma verdadeira orquestra lá no céu. Ao longo do tempo a faixa etária mudou. Era chamada de mascotinha, hoje sou a mais experiente deles”, completa. Os jovens, segundo ela, não só tomaram o palco como também tornaram-se a maioria da platéia. “Eu estava meio perdida lá no começo, porque eram velhos tocando e assistindo”, comenta. “É uma carreira gratificante. Quando você vê que o público responde, você sente que tudo o que investiu valeu.” A dedicação não é pouca, aliás. Além de ir todo dia ao Municipal ensaiar, até sua alimentação é regulada pelas apresentações que faz. “Quando é dia de apresentação, como massa. Dá energia! O Pavarotti também. Eu conversei com ele e ele mesmo faz sua macarronada”, vibra só de relembrar. Na sua vida musical estável, Eliane só tem um grande receio: o Teatro ser transformado numa fundação de direito privado. “Toda vida, desde que entrei tentam transformar o Teatro em fundação. Nunca conseguiram.” Atualmente está parado na Câmara, um plano de fundação feito pelo secretário municipal de cultura, Rodolfo Konder. O projeto daria ao prefeito Celso Pitta o direito de indicar o presidente e os sete membros do conselho curador que teriam mandato de cinco anos. “Nós estamos tentando barrá-lo, porque vai acabar ficando tudo na mão de privados e eles poderiam fazer o que quisessem. Este projeto não foi discutido com a gente. Eles não sabem quais são as nossas reais necessidades.” Existe outro plano, do maestro Júlio Medaglia, que parece mais viável. Entre outras coisas, quer informatizar a bilheteria e fazer estacionamento ao lado do Teatro. “Tenho medo de fundações no Brasil porque já vimos orquestras aqui, como a do nível do Rio de Janeiro --considerada, na época, a melhor do país-- ficarem sem patrocínio e sem dinheiro para manter bons salários para os músicos." Quanto ao Centro, Eliane explica que por insegurança não costuma passear pela região. Ela acha gostoso ver os prédios antigos, imaginar como era aqui, por que era assim e o porquê desses nomes. “Sempre me interessei em saber, mas dá medo de se deslocar pelo Centro. Nós, os músicos do Municipal, já corremos muito risco quando atravessamos a região com nossos instrumentos. Eles são caríssimos, são feitos à mão, importados”, justifica. (01/11/2000)

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