Os portões de ouro

Cinco elementos suspeitos passam o dia olhando para o segurança José Rosalvo dos Santos. Eles dominam a entrada da Pinacoteca do Estado, voltada para a Estação da Luz. São os “Comediantes”, escultura de Francisco Brennand feita em 98 e composta por cinco personagens: a anã, o histrião (do latim histrione, ou seja, caro visitante, um bufão ou palhaço no antigo teatro romano), o bispo, guerreiro e o cavalheiro. "Se for só para olhar, tudo bem, pode. Se não, eu encaro mesmo, fico olhando feio.”
Há quatro meses montando guarda na porta da frente do prédio, Rosalvo não viu a reforma do edifício. Não sabe das enormes filas de 94, durante uma exposição de peças do francês Auguste Rodin.
Mas ele gosta do segundo andar, onde ficam as obras do acervo. “Lá tem uns quadros bem bonitos, das antigas, sabe?! Nada dessas coisas esquisitas que fazem hoje”, diz, com seu sotaque nordestino se fazendo de entendedor de arte.
Instantes depois, ele abre o jogo. “Não entendo muito, sabe, mas gosto de olhar. E o pessoal daí...”, diz, apontando para a Pinacoteca, “é muito gente boa e deixa a gente andar por dentro.” Mas, segundo ele, o povo não entende de arte mesmo. “Ali na lateral tem um espelho d’água, acho que chama espelho d’água, com umas coisas pontudas que nem faço idéia do que seja. Bom, o fato é que veio uma senhora com duas crianças para lavar os pés naquela beleza. Veja se pode?!”, conta, indignado. O espelho d’água vai servir de divisória para um café –inaugurado em agosto de 2000— na divisa com o Parque da Luz.
Rosalvo não sabe se as mudanças no parque deram certo. “Não tenho muito tempo para passear lá. Passeio aqui por dentro mesmo. Fico o dia todo fazendo ronda nas redondezas. Já me deixa bem exausto”, conta já no final de um cansativo expediente de domingo.
Ele trabalha das 7h até as 19h. “A Pinacoteca fecha, mas a gente continua aqui, fazendo hora, até as 19h para cumprir o horário.”
O que é o melhor de tudo?
Essa ele responde fácil: num dia claro, ver o sol brilhar em um dos portões, quem sabe batendo bem atrás do “Manequinho” (1911) [de Belmiro de Almeida], até chegar ao alto do céu. “Tudo reluz, fica parecendo de ouro”, sonha Rosalvo