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Para reviver um pouquinho do Centro visto pelos seus personagens.

06/12/2025 24.02 ºC, São Paulo

A Ladeira esquecida no Vale

Era 12 de outubro de 1975. Dia das Crianças. A caravana do Silvio Santos passeava pelo Centro da cidade em um caminhão cheio de cantores e artistas. Niltinho assistia a tudo do Largo São Bento, em frente ao Edifício Martinelli, onde instalava sua banca.

Naquele dia, o camelô se sentiu um premiado. "De repente chegou uma moça linda e me agarrou, se entregou de corpo e alma e eu não tinha como fugir." Niltinho não entendeu nada, queria levar aquela "surpresa" dali, mas estava trabalhando, vendendo bolachas, fitas de vídeo, refrigerante... Hoje, 25 anos depois, Niltinho continua trabalhando com sua banca, mas, na Ladeira da Memória, ao lado do metrô Anhangabaú. "Nunca vou esquecer aquele domingo, só o fiscal da empresa de ônibus ficou sabendo, é minha testemunha-chave", brinca. Mas na Ladeira da Memória, passam poucas mulheres bonitas...,porque hoje lá não passa quase ninguém. Desde que a Prefeitura obrigou Niltinho e seus 225 colegas de trabalho a transferirem suas barracas do Viaduto do Santa Ifigênia para a Ladeira, o movimento das vendas caiu abruptamente. A Ladeira já foi o ponto de chegada de quem entrava na cidade vindo de Sorocaba, Pinheiros, Água Fria, no século XIX, todos os caminhos dos que transportavam mercadorias convergiam para lá... onde ficava a Pirâmide do Piques e o chafariz. Hoje, porém, poucos circulam nas redondezas, o estado de abandono é explícito, não faltam pichações por todos os lados e quase 90 das barracas estão fechadas por falta de clientes. Será que o Martim Francisco ainda diria que o Largo continua sendo "o paredão desenxabido e a pirâmide desconsolada?" Segundo Vital de Almeida, do ProCentro, a Ladeira será o próximo ponto do Patrimônio Histórico da cidade a ser recuperado. "Só está faltando definir quem da iniciativa privada arcará com a obra." Medida importante já que o obelisco foi um dos primeiros construídos na cidade, o primeiro de mármore. Niltinho acredita que a reforma vai melhorar o local e o movimento de clientes. "Vai ficar bom, mas não acho aqui feio, não, os meninos que dormem na rua são uma coisa desagradável, mas o Centro não é ruim, falta conhecer." Ainda assim, o ambulante nunca ouviu falar na família Piques - que em 1787 mandou construir uma rua que saía da casa de um dos irmãos e ia até o Anhangabaú - ou à memória de quem o obelisco foi fundado. Mesmo porque ele não se sente muito bem ali, "gosto mesmo é dali da frente do Teatro Municipal é o máximo, tem um montão de novidade bacaninha." Com o movimento fraco e o mercado de fitas de vídeo em baixa, Niltinho já se esqueceu daquela alegria que sentiu quando a mulher desconhecida o confundiu com o segurança do Martinelli, beijando-o e dizendo "coisas de amor" por mais de meia hora, transformou o Dia das Crianças num dia especial. Hoje, é católico e adora assistir vídeos. "Vou numa igreja que mostra o caminho da verdade e em casa vejo fitas com histórias que fazem sentido, que podem ser verdade, como "Um Sonho de Liberdade".

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